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quinta-feira, 2 de abril de 2020

Cozinha Molecular II Espumas e Emulsões

Na semana passada falamos de algumas bases e fundamentos da cozinha molecular que são transversais a outros estilo de cozinha de vanguarda. 

Hoje vamos abordar um tema, uma técnica muito utilizada em todas as cozinhas. Desde uma cozinha de casa, passando por uma cozinha de um restaurante acabando numa industria alimentar.


Fonte: Modernist Cuisine

Espumas e emulsões

Principais estruturas que conferem textura:


Olhemos para a tabela acima para ser mais fácil entender os seguintes conceitos;

Emulsões

Uma emulsão é uma dispersão coloidal formada por dois líquidos imiscíveis, um dos líquidos (fase descontinua ou dispersa) dispersa-se sob a forma de glóbulos, no outro (fase contínua, dispersante) normalmente óleo em água (natas, maionese) ou água em óleo (manteiga). Água em Óleo (W/O) ou Óleo em água (O/W)

A mistura de água e óleo pode resultar em 2 tipos de emulsão:

ÓLEO como fase DISPERSA –EMULSÃO O/W (óleo em água)

ÁGUA como fase DISPERSA –EMULSÃO W/O (água em óleo)



Uma emulsão feita apenas com óleo e vinagre, a que na linguagem culinária se chama de vinagrete, é uma emulsão temporária e se forma apenas por ação mecânica, não sendo estável

A maionese, é um bom exemplo. Com utilização de uma varinha mágica ou mesmo uma batedeira mistura-se a fase aquosa com a gordurosa, ficando esta dispersa na fase aquosa na forma de pequenas gotículas, o papel do emulsionante é impedir que estas gotículas se agreguem de novo e as fases se separem. 
Outros exemplos, de emulsões são a manteiga (água em óleo) e as natas (óleo em água).

Sabemos também que o processo de emulsificação, esta inteiramente relacionado com o equipamento mecânico usado. Olhemos para a tabela abaixo.

Para estabilizar a dispersão destes dois líquidos imiscíveis, são necessárias substâncias emulsionantes que iremos falar mais à frente.


As emulsões de composição semelhante podem ter características muito diferentes segundo o óleo ou água que constitui a fase continua.

Um exemplo fácil de perceber é o uso de diferentes gorduras na realização de uma maionese. Ou até mesmo a variação da proteína usada, um ovo de diferentes animais (exemplo galinha, ganso ou avestruz) vão ter textura e estabilidade diferentes.



Pode ser difícil entender o porquê de a maionese ser uma emulsão quando os elementos base são o óleo e a gema de ovo. Mas se pesquisarmos a constituição da gema de ovo, descobrimos que cerca de 51% da sua constituição é água.
Entendemos também o porquê de muitas vezes em casa ser possível fazer maionese com ovos inteiros. Pois um ovo inteiro é constituído por 75% de água.
Se “pensarmos cozinha” percebemos que conseguimos fazer maionese só com claras. Pois as claras são 85% água.

Espumas

São dispersões coloidais constituída por uma fase dispersante sólida ou líquida e uma fase dispersa no estado gasoso.
“Bolhas de um gás dispersas em líquidos ou sólidos.” Podemos olhar para estas espumas como uma emulsão de G/W (gás em água).


Estas espumas existem, pois, água e gás não se misturam. Existem composto que estão presentes na água, como o nitrogênio, oxigênio, dióxido de carbono e outros componentes que são solúveis em água, mas apenas uma certa quantidade muito reduzida.

Assim como as emulsões, as espumas são compostas por duas fases, fase continua e fase descontinua. Nas espumas a fase descontinua é maioritariamente ar/gás

Traduzindo na linguagem de um cozinheiro, uma espuma líquida é o mesmo que uma espuma de café, de cerveja, de um molho e uma espuma sólida é o mesmo que uma espuma de pão, de bolo, de suspiro, de mousse, de soufflé.
(sendo todos eles inicialmente uma espuma líquida e devido ao tratamento térmico passa a ser uma espuma solida. Em muitos deles inicialmente a presença de bolhas de ar é muito reduzida. E vemos isso pelo tamanho inicial e final do produto, devido à expansão do ar por ação do calor).

O gás (fase descontinua ou dispersa) incorpora-se sobre a forma de alvéolos no líquido ou solido (fase continua ou dispersante).
 
Tanto as espumas líquidas, quanto as sólidas, necessitam sempre de um processo de incorporação de ar na massa para formar a espuma. Mas, além disso, é necessário que haja um agente tensioativo que permita a formação das bolhas de ar e frequentemente agentes estabilizantes, estes podem ser o glúten, uma gordura sólida, etc.

Outros agentes, também podem ser utilizados para a formação de espumas como a gelatina, o agar, o xantana, a goma guar, entre outros.

Das substâncias tensioativas normalmente usadas, como por exemplo, proteínas do ovo, do leite ou da gelatina, lecitina (gema de ovo).

Podemos concluir, então, que as espumas podem ser doces, salgadas, quentes, frias, líquidas ou sólidas.

No caso de espumas líquidas, a fase líquida é, na realidade constituída por uma mistura de líquidos com substâncias tensioativas em que é introduzido ar por agitação mecânica (por exemplo, uma varinha magica) ou são introduzidos outros gases, com a ajuda, por exemplo, de um sifão.

Existem vários sistemas que nos permitem obter espumas, um sifão, um motor de aquário, um sistema a vácuo, uma varinha magica ou até mesmo uma mini batedeira de mão para realização de espumas nos cappuccinos são exemplo de diferentes máquinas que nos permitem obter uma espuma, embora que todos eles tenham influência no resultado final.
Sejam estas diferenças por estabilidade ou quantidade de ar incorporado.

Espumas vs Emulsões

As espumas e emulsões são composições muito similares, pois são ambas compostas por duas fases imiscíveis. De modo geral as espumas são mais instáveis do que as emulsões. Isto tem uma explicação muito simples.

Primeiro, as bolhas de ar das espumas são normalmente maiores do que as bolhas de uma emulsão.  As espumas podem conter bolhas de 0.01mm-0.1mm. Já às emulsões podemos observar bolhas de 0.001-0.01mm. O que concluímos que são 10-100x menor do que as presentes nas espumas.

Agentes Emulsionantes

Também chamados de emulsificantes, agentes tensoativos ou agentes de superfície, os emulsionantes são substâncias que têm a capacidade de atrair e agregar substâncias que não se misturam (água e gordura, por exemplo).

As moléculas das substâncias emulsionantes têm na sua estrutura uma zona polar e outra apolar, sendo que a porção polar do emulsionante é hidrofílica (é atraída para a água) e fica virada para a componente aquosa da mistura e a porção hidrofóbica (repelida pela água) é atraída para a componente gordurosa, possibilitando a união de ingredientes que antes não se uniam. Formando-se assim, uma película à volta das bolhas de ar da espuma.


Sem a existência de um agente tensioativo, a molécula de água teria tendência de se atrair, as bolhas coalesceriam e o ar escapar-se-ia.
É por isso que as espumas são pouco estáveis.

Os emulsionantes permitem ainda produzir e estabilizar espumas, ficando a porção hidrofílica virada para o líquido aquoso e a porção hidrofóbica para o ar que é introduzido para fazer a espuma.

Existe uma variedade de substâncias que podem desempenhar o papel de agentes emulsionantes e estabilizantes de espumas, sem se ter que recorrer aos ingredientes clássicos. Como exemplo, desses agentes emulsionantes, temos a lecitina, o sucroester (denominados Sucroemul na marca Sosa), os mono e diglicerídeos (denominados Glicemul na marca Sosa) e a albumina, podem ainda ser utilizados outros ingredientes como estabilizantes, por exemplo, alginato, goma alfarroba, pectina e xantana.

Glossário:


  •  Tensão Interfacial: Corresponde à energia livre localizada na interface dos dois líquidos imiscíveis originada pela desigualdade das forças de coesão dos dois líquidos intervenientes; quanto maior for esta energia, maior a dificuldade em formar uma emulsão e mais instável será. 
  •  Emulsificação(homogeneização): processo através do qual a fase dispersa é cortada em pequenas gotas (homogeneizadores de alta pressão); aplicação de forças de cisalhamento (corte) que aumentam a área de contato interfacial.


Referências:

Myhrvold, N., & Bilet, M. (2011). Modernist Cuisine.
Abrantes, G. M. (2014). Cozinha Modernista. Dissertação de mestrado, FCT/UNL, Ciências gastronômicas .
Farrimond, S. (2017). The Science of Cooking: Every Question Answered to Perfect Your Cooking.
Guerra, M., & Azevedo, C. (2017). Operações Unitarias .
McGee, H. (1984). On Food and on Cooking.
Moura, J. (2011). Cozinha com Ciencia e Arte. Bertrand.
Nathan Myhrvold, M. B. (2011). Modernist Cuisine.
Potter, J. (2010). Cooking for Geeks: Real Science, Great Hacks, and Good Food.
Santos, D. A. (2012). Desenvolvimento de filmes edíveis para criação de novos produtos . Dissertação de Mestrado, Universidade de Aveiro, Departamento de Química.



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